O que é securitização, o que fazem as securitizadoras e qual sua importância para o mercado financeiro?
calendar_month 05/06/2024
A securitização é um processo financeiro complexo, mas essencial no mundo moderno dos investimentos e finanças. Vamos descomplicar o tema e entender como funciona, qual o papel das securitizadoras e quais são as oportunidades e riscos envolvidos nesse processo.
No Talkenização, Gabriel Lopes (Head de Originação e Distribuição na VERT Capital) explicou o que é a securitização e sua importância para empresas e investidores. Ele aborda como a securitizadora atua, os tipos de ativos que podem ser securitizados e detalhou o processo de securitização, desde a origem dos créditos até a emissão dos títulos.
O que é uma securitizadora e qual o seu papel no mercado financeiro?
A securitizadora é um intermediário que tem como objetivo garantir que o mercado de capitais tenha acesso a um pool de crédito de uma determinada empresa.
A empresa tem um certo pool de ativos, principalmente recebíveis, de natureza imobiliária, agrícola, etc. A securitizadora intermedia as empresas que têm recebíveis ou capacidade de gerar recebíveis e os investidores que têm interesse em investir nesses recebíveis.
Ela fica no meio do caminho para garantir esses recebíveis, fazendo a compra desses ativos e garantindo a custódia.
Um exemplo prático é uma empresa proprietária de galpões logísticos. Ela não é uma operadora (não está no dia a dia prestando serviço, ela é proprietária), mas tem empresas interessadas em operar nesses galpões logísticos.
Eles fazem a locação para empresas que vão utilizar os galpões e, em função dessa relação de locação (geralmente de longo prazo), o proprietário tem a receber um aluguel mensal.
O proprietário, em um cenário normal, receberia esse fluxo de locação por 10 anos, todos os meses. Por uma questão de fluxo de caixa, estratégia, alavancagem, não faz sentido receber esse fluxo ao longo do tempo (mesmo sendo um risco de crédito muito bom).
Então, entra a securitização como instrumento para dar viabilidade.
O que é securitização?
A securitização é uma forma de viabilizar que as empresas que têm recebíveis ou capacidade de gerar recebíveis recebam o fluxo que só receberiam ao longo do tempo em um único pagamento.
Seguindo o exemplo da seção anterior, o objetivo é gerar liquidez para os proprietários. Assim, seriam emitidos CRIs e os investidores comprariam esses CRIs. Com o dinheiro dessa compra, a securitizadora adquire o recebível do proprietário.
A partir daí, as empresas que estão alugando pagam diretamente para a securitizadora, que repassa para os investidores.
Os investidores geram a liquidez através da securitizadora. E a securitização é isso. Não é que o investidor está dando dinheiro direto para a empresa; está comprando um ativo emitido pela securitizadora com uma finalidade muito clara.
A securitizadora garante a segregação de riscos do pool e assegura que haja um terceiro independente que monitore esse fluxo de recebíveis ao longo do tempo, garantindo a governança, transparência e controle para dar conforto aos investidores.
O papel da securitizadora é que ela é a única responsável pela emissão de determinados instrumentos.
Obrigatoriamente, o investimento em certos instrumentos de crédito precisa passar pela securitizadora, pois são instituições aprovadas pela CVM para atuar dessa maneira.
Por fim, como a securitizadora participa do processo de emissão ou estruturação da operação, há uma taxa de emissão. Além dela, a segunda fonte de receita está na administração e gestão dessas carteiras durante todo o período da operação.
Que tipos de ativos podem ser securitizados?
Vamos listar abaixo os ativos mais conhecidos por serem viabilizados via securitização.
CRA
O Certificado de Recebíveis Agrícolas, como o nome já diz, está relacionado a recebimentos relacionados ao setor agrícola. É um título incentivado, que goza de isenção fiscal para investidores pessoas físicas.
Ele inclui tanto empresas que produzem ou fornecem insumos para o setor agrícola, como players que têm relação com os produtores rurais, quanto os próprios produtores rurais (que produzem, por exemplo, soja, milho, etc).
Além delas, empresas que compram e prestam serviço para o produtor rural, como as de logística, supermercado, etc, também podem fazer emissão de CRA.
CRI
O Certificado de Recebíveis Imobiliários segue a mesma lógica, mudando apenas o setor de foco, e também inclui o incentivo fiscal.
Alguns exemplos de captadores tradicionais que usam CRI são incorporadoras, construtoras, empresas de loteamentos.
Além disso, há também a possibilidade por parte de empresas que fazem CAPEX (investimento imobiliário). Como há correlação com o setor imobiliário, essas também podem usar CRI.
Por exemplo, uma empresa de capital fechado, como uma indústria que vai construir mais uma planta fabril e precisa levantar dinheiro para fazer esse investimento, poderia usar esse instrumento.
Por fim, empresas que precisam levantar dinheiro para finalidade imobiliária em geral também eventualmente podem utilizar os CRIs para viabilizar esses empreendimentos.
Debênture
A debênture também é um instrumento emitido por uma sociedade anônima e que não necessariamente necessita de uma securitizadora.
Se no setor agrícola é utilizado o CRA e, no imobiliário, é o CRI, a debênture de securitizadora olha qualquer outro tipo de recebível que não esteja relacionado a esses dois primeiros setores.
Esses recebíveis podem incluir um crédito mercantil, por exemplo, de uma empresa que faz locação de notebooks e smartphones. Esses fluxos de locação podem ser usados para gerar liquidez.
Outro exemplo é uma empresa que presta serviço de manutenção para qualquer finalidade, em contratos de longo prazo para essa prestação de serviço, também pode-se utilizar uma debênture.
Para uma securitizadora emitir uma debênture para uma empresa, legalmente, não é necessário um mínimo de faturamento.
Porém, existem variáveis, como o tamanho da operação que a empresa quer colocar no mercado (pode ser feita desde 1 milhão até 3 bilhões, por exemplo), até porque o trabalho de gestão desses ativos é muito parecido.
A outra variável é o apetite dos investidores, que podem considerar apenas empresas com alto faturamento, enquanto outros vão se interessar por faturamentos menores.
Certificado de Recebíveis
O Certificado de Recebíveis é uma alternativa criada para superar dificuldades da perspectiva tributária e da separação de patrimônio. Nele, podem ser securitizados recebíveis de diversos tipos, mas com a obrigação do patrimônio segregado.
A Debênture já existia, mas havia dificuldades na perspectiva tributária e na separação de patrimônio. Apesar de ter a securitizadora para garantir a independência do investidor e garantir a proteção.
Para CRAs e CRIs havia a separação de patrimônio. A securitizadora poderia ser uma única empresa e fazer diversas emissões. Tinha emissão de CRA para a empresa A, CRI para a empresa B e CRA para a empresa C, por exemplo.
Os riscos eram segregados porque havia patrimônios específicos destinados às diferentes operações, mesmo que uma operação tivesse problema de inadimplência, a operação B não seria afetada.
Para a debênture isso não existia até um tempo atrás, então a saída foi a criação do instrumento alternativo ao CRA e CRI, que é o CR (Certificado de Recebíveis).
Quais são os principais pilares da securitização?
Os riscos da operação não podem ser assegurados completamente pelas securitizadoras, pois fazem parte do investimento em crédito. Então, o risco de performance de pagamento continua existindo, por exemplo.
No entanto, a securitizadora garante que exista controle sobre a carteira, indicadores pensados na estruturação da operação, e muita tecnologia para garantir que se algo desvie, possa ser evitado um problema de pagamento ou, no mínimo, uma grande mitigação para proteger o investidor.
A segregação de risco também é um dos pilares.
A securitizadora deve ser uma entidade completamente independente, fiscalizada pela CVM. Como companhia aberta, deve prestar esclarecimentos periódicos para a CVM e para o mercado de maneira geral, sendo uma entidade muito regulada.
Qual é o processo de securitização?
A operação começa pelo lado comercial.
O primeiro aspecto é um cliente com necessidade de levantamento de recursos, explicando a perspectiva financeira da empresa e quais são os recebíveis disponíveis para serem trabalhados numa estrutura de securitização.
Existe também todo um trabalho de análise de viabilidade, no qual observam-se:
- os riscos de imagem,
- quais são os créditos e se fazem sentido,
- se a estrutura que o cliente está buscando terá apetite entre os investidores,
- qual é o nível de remuneração mais adequado,
- o quanto de garantia será necessário fora os recebíveis.
O segundo passo é pensar qual a estrutura que mais se adequa às necessidades do cliente e que seja vendável. Uma vez a estrutura apresentada, o cliente quer seguir e começa o processo de estruturação da emissão de CRA, CRI, etc.
Neste processo, há certos aspectos envolvidos: documentação, aspectos operacionais, e distribuição.
A documentação é fundamental e geralmente são utilizados escritórios de advocacia para garantir que os documentos atendam todas as informações disponíveis.
Operacionalmente, é importante garantir que a operação funcionará conforme planejado.
Um desses pontos inclui pensar que os recebíveis que vão sendo comprados incluem deságio, exatamente para que a remuneração dos investidores exista.
O quanto é necessário ter de deságio (a diferença do que a empresa vai receber à vista) para que o que os investidores receberão ao longo do tempo faça sentido. Esses valores podem estar atrelados ao CDI + uma porcentagem ou à inflação + uma porcentagem.
E, por fim, a distribuição envolve a procura por investidores (roadshow) e a criação de materiais publicitários que incluem os riscos, as garantias e todos os detalhes da operação.
Depois disso, com os investidores fechados, há a integralização, onde a securitizadora paga a empresa (a antecipação). A operação não termina ali, pois há toda a gestão dos recebíveis ao longo dos anos.
Para acompanhar os pagamentos dos recebíveis, constroem-se índices que, se um percentual da carteira passar a ter inadimplência, já para-se de comprar crédito. Mas, na maioria dos casos, esses detalhes já estão definidos.
A securitizadora garante a comunicação e transparência com o investidor. E o olhar precisa ser ativo, não esperar o momento de inadimplência, mas identificar sinais antes para se proteger e definir os caminhos que podem ser tomados para evitar o problema ou mitigar.
Por que investir em títulos securitizados?
Securitização é uma carteira de recebíveis, ou seja, há pulverização. Quanto mais pulverizado, menos risco; quanto menos pulverizado, mais risco.
Por exemplo, na Americanas, em uma estrutura com múltiplos sacados e devedores, se um eventualmente não pagar, você está protegido, porque está menos exposto ao risco de uma única inadimplência.
As estruturas pulverizadas têm essas características que dão muito mais segurança para quem está aportando o dinheiro.
Além disso, pode-se criar camadas numa emissão de CRI, CRA, FIDC, como camadas sênior, mezanino ou subordinada, garantindo proteção dependendo do apetite dos investidores.
Uma camada sênior tem prioridade no recebimento sobre as camadas mezanino ou subordinada.
Assim, se houver default em uma operação, e não for suficiente para alcançar a camada sênior, o investidor da camada sênior não será prejudicado. A subordinação é um bom caminho para garantir proteção e diferenciação, dependendo do apetite dos investidores.
Hoje, as estruturas pulverizadas são muito mais seguras, se bem desenhadas.
Por exemplo, se há um originador desses recebíveis que está entrando em cotas subordinadas (camadas menos protegidas), demonstrando que ele também estará alinhado em originar ou ceder bons recebíveis para dentro da estrutura, uma boa cobrança para os créditos.
Quais são as tendências para o futuro da securitização?
Para Gabriel, há um desenvolvimento cada vez mais profundo no mercado de capitais. Uma forma de ver isso é como o BNDES era importante; a matriz de crédito cresceu muito para gerar outras oportunidades. Family offices e fundos independentes também cresceram muito.
Tudo isso avança muito nas estruturas e nas operações e demonstra o potencial do mercado de crédito com o uso de novas tecnologias!
Esse caminho vai junto com a escala. Não adianta ver o apetite do investidor se você não olhar a estrutura, os riscos, etc.
Além disso, cada vez há mais padronização de estruturas para que elas sejam equivalentes em estruturas semelhantes. Padronização da documentação e padronização operacional.
Cada vez mais há uso de tecnologia para garantir transparência, informações com mais agilidade para os investidores e essencialmente online (o investidor não quer ficar esperando 30/60 dias). E que essas soluções tecnológicas também sejam padronizadas.
E, por fim, há a tokenização, que apresenta um aspecto fundamental em garantir essa padronização, não só na perspectiva jurídica, mas do ponto de vista operacional.
Isso inclui um aspecto de garantir a honestidade, como o recebível vai nascer, como será securitizado, quais são os mecanismos de registro desses recebíveis (por exemplo, em redes blockchain).
E tudo isso gera consequências!
A primeira é a eliminação de intermediários que são importantes hoje para garantir proteção, mas que ainda estão sujeitos a riscos e falhas. E a blockchain e os smart contracts garantem esse conforto de mitigação.
A tokenização do crédito é fundamental, onde ele nasce, onde será registrado é muito relevante e dará mais conforto para o investidor local.
Mas, mais do que isso, criar essa padronização via tokenização pode atrair investidores de fora do Brasil, que terão mais segurança para investir aqui.
Mostraremos um mercado que usa uma tecnologia muito eficiente, que traz transparência e que mitiga riscos operacionais.
É uma evolução do mercado, os instrumentos permanecem os mesmos, mas os fluxos jurídicos, operacionais e de governança são aprimorados de forma antes inimaginável.
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